quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Artigo - por Carlo Tursi

Teólogo/a - persona non grata ?
Conferência de Ivone Gebara na Semana Dom Helder Camara


A “maré” eclesial, definitivamente, não está para teólog@s – está mais para animadores de platéias, curandeiros, exorcistas, padres cantores e oradores em línguas. “Neste momento [...] estamos, teologicamente, como que parados, passando por uma espécie de desânimo. [...] Os nossos teólogos demonstram um pouco de medo” – palavras de Dom Aloísio Lorscheider (em: “Mantenham as lâmpadas acesas!”, Ed.UFC 2008, p.90). Ao recuo da razão teológica corresponde, no atual cenário eclesial, o avanço pujante de uma espiritualidade sentimentalista, devocional e intimista que se afasta de tudo que cheira a “crítica” como o “cão” se afasta da cruz. De fato, o esforço teológico por uma compreensão mais profunda e madura dos dados da fé revelada há de se desdobrar – inevitavelmente e desde os tempos remotos dos “santos padres” – em exercício da “crítica”, no sentido positivo de apontar contradições no pensar e incoerências no agir dos cristãos e tentar eliminá-las. Durante os últimos 100 anos de história da Igreja, a atitude do Magistério Eclesiástico para com a crítica teológica tem oscilado bastante: de um certo incentivo a novas investigações bíblico-teológicas sob o papa Leão XIII às duras condenações sob Pio X, de uma nova abertura durante o pontificado de Pio XI à onda de cassações com Pio XII, da reabilitação de muitos teólogos cassados por João XXIII e Paulo VI aos “silêncios obsequiosos” impostos na era de João Paulo II e do então cardeal Ratzinger. O atual “inverno da teologia” é, indubitavelmente, fruto das duras intervenções que a Cúria Romana tem perpetrado, ao longo das últimas duas décadas, em muitos institutos de formação teológica da América Latina, chegando a ordenar o fechamento de alguns deles, como foi o caso do ITER (1989), no Recife, a “menina dos olhos” de Dom Helder Camara. Quem o afirma – e lamenta – é, mais uma vez, o cardeal Lorscheider: “A própria teologia aqui na América Latina, ao invés de ser favorecida, foi um tanto calada. Por isso, hoje em dia, ninguém mais tem coragem de falar”. E arremata: “Esse medo faz mal. O Magistério não devia incutir esse medo!” (2008, p.91).
O porque desta hostilização da teologia? É que a leitura histórico-crítica da Sagrada Escritura e da História Eclesiástica teria trazido mais danos do que benefícios ao “povo de Deus”, semeando questionamentos e dúvidas em meio aos fiéis, provocando até crise de fé em não poucos. Reclamava, em 1990, o cardeal Ratzinger na “Instrução sobre a Vocação Eclesial do Teólogo”: “O teólogo, não esquecendo jamais que também ele é membro do povo de Deus, deve nutrir-lhe respeito, e esforçar-se por dispensar-lhe um ensinamento que não venha a lesar, de modo algum, a doutrina da fé” (nº11). A crítica teológica não teria sabido contentar-se com os campos da interpretação bíblica e histórica – teria “avançado o sinal” e começado a questionar as próprias definições, consagradas há séculos, da Teologia Dogmática, bem como a estrutura hierárquica da própria Igreja. Desconcertados e, talvez, até decepcionados com o intelectualismo e criticismo dos teólogos, muitos católicos a eles teriam dado as costas e se lançado em grupos de oração, seminários do Espírito Santo e procissões devocionais onde – supostamente – alimentariam melhor a sua espiritualidade, pensando menos e sentindo mais. Que o abandono da razão teológica, contudo, não pode ser uma saída aceitável provou, justamente, uma encíclica do papa João Paulo II, intitulada “Fides et ratio”, que insiste em uma necessária articulação e interdependência entre fé e razão...
A teóloga feminista Ivone Gebara, religiosa da Congregação das Cônegas de Santo Agostinho e doutora em Filosofia e Ciências da Religião, lecionou durante 17 anos no Instituto Teológico do Recife (ITER), até o seu fechamento por ordem de Roma. Experimentou dolorosamente, alguns anos depois, uma condenação ao silêncio obsequioso, tendo que se afastar, por um período de dois anos, da docência e da publicação de qualquer escrito seu. Após cumprir a penalidade imposta pelo Vaticano, veio a público com a obra “Rompendo o Silêncio” (Petrópolis 2000). É com muita propriedade, portanto, que ela proferirá conferência durante a SEMANA DOM HELDER CAMARA, na noite do dia 30 de setembro, às 19:00 h, no auditório do Colégio Santo Tomás de Aquino, com o tema “A repressão ao pensamento teológico na Igreja, hoje”. Quem viver, verá. Aquela noite promete...


Carlo Tursi, teólogo e membro de “O GRUPO”

Um comentário:

  1. Belíssimo texto, Carlo!! E conheço e gosto muitíssimo das obras de Ivone Gebara. Elas abriram inúmeras janelas para a minha compreensão sobre do papel da mulher nos diversos segmentos sociais. Gostaria muito de conseguir trazer, em 2010, Ir. Ivone para ministrar palestras na Universidade Federal do Piauí!! Como eu poderia entrar em contato com ela? Agradeço sua atenção!! (Já prestou atenção que cada post meu é um pedido? rsrsr)
    Abraços fraternos!!

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