quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Uma Semana do barulho (2)

O que a Semana Dom Helder Camara demonstrou?

 A “franquia Dom Helder” é poderosa: abre portas, aglutina pessoas, causa admiração, toca corações. Hoje, há quase unanimidade no reconhecimento de sua figura como um dos grandes brasileiros do século XX. É personagem “canônico” (no sentido de: normativo, referencial) para cristãos e não-cristãos socialmente engajados e críticos.

 A memória de Helder Camara, saudosa para uns, parece dolorosa para outros. A completa ausência de representantes clericais da Arquidiocese de Fortaleza, ao longo de todos os eventos da Semana, revela má vontade de prestigiar um bispo profeta que, pela seriedade e radicalidade do seu compromisso com pobres e perseguidos, faz parecer pequenos e omissos os atuais titulares eclesiásticos. Ganha-se a impressão de que estes estão fugindo da comparação.

 Causou certo mal-estar nos corredores do Seminário da Prainha o fato de a Semana, realizada por um “grupo de particulares”, ter conseguido aglutinar bem mais gente – inclusive entre os próprios estudantes – do que certos eventos acadêmicos oficiais, promovidos pela Instituição. Aqui, duas possibilidades de explicação se oferecem: (1) Um público mais crítico e pensante preferirá sempre uma temática e uma abordagem mais controversa, mais contundente, mais incisiva a outras temáticas e abordagens óbvias, enfadonhas e pouco ousadas, ainda que mais “ortodoxas”. (2) A Semana não se restringiu a uma temática intra-eclesial, nem primou por um discurso “igrejeiro”, praticado ad nauseam no gueto eclesiástico, mas procurou articular o legado de Helder Camara com os desafios da sociedade atual, o que atrai também um público menos “especializado” e mais secularizado.

 Há, em Fortaleza, um considerável número de cristãos/cristãs insatisfeitos/as com os dois tipos de catolicismo atualmente em voga: o tradicional-ortodoxo-oficial da hierarquia e o carismático-pentecostal-espiritualista dos movimentos apostólicos. Deu para perceber, sobretudo nos momentos de debate que seguiam às conferências e ao filme, quantos indivíduos estão à procura de um catolicismo/cristianismo “de terceira via”, um projeto eclesial que Pe. José Comblin tem batizado de “cristianismo humanista”.

 Nós cristãos/cristãs insatisfeitos/as não possuímos, até agora, clareza sobre como se poderia articular e construir este projeto eclesial, alternativo aos dois supracitados modelos “majoritários”, em parte porque muitos de nós ainda sentem saudade da geração dos bispos-profetas e preferem lamentar a “guinada” (leia-se: traição!) que a igreja hierárquica deu em direção aos movimentos espiritualistas de massa. Um problema adicional encontra-se no fato das pessoas, hoje, viverem individualizadas, dispersas, desarticuladas, não organizadas em comunidades – eclesiais ou não – , movimentos ou grupos.

 É urgente a tarefa de proporcionarmos a este contingente considerável de pessoas uma oportunidade periódica (mensal?) de encontrarem-se para trocar idéias e experiências, acompanhar palestras sobre temas palpitantes e atuais, confraternizar-se e celebrar sua fé, em um local central em Fortaleza, de fácil acesso, que pudesse tornar-se um “point” conhecido para cristãos/ãs de fé madura e de senso crítico. Este “Grande Encontro” mensal poderia remediar a terrível sensação de diáspora, abandono e angústia que se abateu sobre quem esperava da Igreja de Cristo mais do que defesa da ortodoxia e louvor entusiástico ao santíssimo sacramento...

 Um “link” interessante e promissor foi estabelecido, através da vinda de três conferencistas de Recife, entre a igreja dos “inconformados” daqui com a de lá. Foi um grande alento que Pe. João Pubben, Ir. Ivone Gebara e Reginaldo Veloso experimentaram entre nós, quando se viram acolhidos/a por enorme e interessado público. Oxalá outros momentos significativos possam acontecer para aprofundar e fazer render a “conexão Recife”.


“O Grupo” continuará sensível à memória perigosa e incômoda da tradição profética do Cristianismo, tão esquecida e relegada na atual conjuntura eclesial. Aguardem!


Carlo Tursi, teólogo e membro de “O Grupo”

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