terça-feira, 20 de outubro de 2009

UM MOMENTO DE PAZ .....

Uma reflexão à guisa de avaliação sobre a Semana Dom Helder Camara.



Já se passaram duas semanas .....

Ao cair da tarde daquela sexta-feira, dia 02 de outubro, um grupo de mais ou menos 120 pessoas encontrava-se reunido no Passeio Público, antiga Praça dos Mártires. Cantando “Dom Helder Camara, grande profeta, reconhecido por toda nação. A imagem que gostaria que ficasse, é de um irmão!”, foi colocada, em uma das árvores centenárias, uma placa comemorativa daquele que, há cem anos, nascia em frente a este histórico e belo logradouro de Fortaleza: HELDER PESSOA CAMARA.

Encerrava-se deste modo uma semana comemorativa.

Comemoração?

Uma semana sem festa, porém sustentada pela reflexão pessoal e comunitária, aquela que leva ao compromisso ......
Uma semana sem discursos (vazios), porém cheia de pensamentos críticos sobre nós mesmos, sobre a sociedade na qual vivemos, sobre a igreja que somos (ou deveríamos ser) .....
Uma semana sem dogmas magisteriais, porém dirigida por dicas, dando rumo a propostas de construção de um mundo de irmãos e irmãs.....
Uma semana sem teologia do tipo “avestruz”, porém aquela reflexão teológica de cabeça erguida, de cara a cara com a realidade, “fermento da terra e luz do mundo” (cf. Mt 5, 13.14) .....
Uma semana sem grandes platéias, mas marcada por uma presença bela por ser eclética (= includente), verdadeira, vivenciada .....
Uma semana sem solistas, sem estrelas, porém profundamente carregada por um sentimento comunitário, de co-reponsabilidade e participação ....
Uma semana sem gerar falsas esperanças, porém incentivada pelos compromissos com a construção de uma paz, já sentida por todos que ali se experimentaram irmãos e irmãs ..... .
Uma semana sem resmungar o passado, sem murmurar sobre “os outros”, porém grávida de expectativas por juntar pessoas que vêem, lá na frente, possibilidades e condições de realizarem “um novo céu e uma nova terra!” (cf. Ap. 21,1) .....
Uma semana que, no entardecer daquele belo dia, terminara em um grande e emocionante abraço de paz .....
Uma semana helderiana..... de paz helderiana!


A presença extraordinária das pessoas nas duas apresentações do filme “Dom Helder, o santo rebelde!” já anunciara que algo de bom estava para acontecer, o que se confirmara nas três noites das conferências.
A diversidade de participantes nas noites das conferências chamou muita atenção a nós que estávamos a serviço dos mesmos: gente das comunidades, estudantes de níveis diversos, professores tanto da rede pública, como privada, do ensino básico ao universitário, pessoas engajadas em movimentos eclesiais, gente já idosa em idade, mas jovem em espírito, religiosas, uns poucos seminaristas e, escassamente, uns muito poucos padres ..... e .... um bispo, nosso bravo e sempre presente Dom Edmilson.
A caminhada, na sexta-feira desta memorável semana, pelas ruas do centro da nossa cidade tornou-se um momento de singela tranqüilidade. Não havia grande massa de pessoas cantando “alleluia” e batendo palmas. Os que pisavam o asfalto quente nas ruas comerciais de Fortaleza pareciam mais uma “minoria abraâmica”, como Dom Helder qualificava os pequenos agrupamentos de pessoas que acreditam em um mundo diferente, mais humano, mais de Deus. Portando faixas com dizeres fortes a respeito da vida e pirulitos apresentando o rosto e o semblante daqueles que já nos antecederam no cumprimento de sua missão (Irmã Dorothy Stang, Dom Helder Camara, Dom Aloísio Lorscheider e Dom Oscar Romero) e, animados por cantos relativos à luta por um mundo melhor, caminhávamos desde a Praça da Igreja do Carmo até o Passeio Público, fazendo uma parada em frente á catedral, sendo acompanhados por olhares e gestos de aprovação por parte de pessoas que se encontravam nas calçadas e no interior dos estabelecimentos comerciais. Pairava paz e soprava uma brisa de irmandade pelas ruas do centro de Fortaleza, normalmente tão tumultuado.

Mas, de que paz estaria falando? O Dom da Paz, Helder Camara, novamente nos ensina: “Nós não queremos a paz dos pântanos, a paz enganadora que esconde injustiças e podridão!”

Trata-se da paz que significa movimento, aquela que acorda a todos nós da nossa quase que eterna sonolência frente às grandes questões da humanidade: o grande espiral da violência que gera miséria, fome, injustiças, abismo cada vez mais profundo entre os poucos ricos e os muitos pobres.
É a paz que mexe, que bota todos nós de pé, de olhos abertos e ouvidos atentos a fim de percebermos os sinais dos nossos tempos, arrancando o mal e plantando o bem.
É a paz dos dois momentos essenciais à nossa vida: da reflexão, do aprofundamento, do retirar-se, do “subir a montanha” para escutar a voz dAquele que tem algo a nos dizer e, evidentemente, de escutar as realidades terrestres. E é, em seguida, o momento de “descer da montanha” e estender a mão, transformando água em vinho.
É a paz ativa que invade, impulsiona e encoraja o profeta.


Lembro-me de algumas das últimas palavras que Dom Helder sussurrou dois dias antes de sua despedida em agosto de 1999: “Não deixem cair o profetismo!”

A paz do profeta, por certo, é aquela que dá tranqüilidade, serenidade e segurança ao próprio profeta. Somente assim, ele terá coragem sem limites para mexer com aquelas estruturas, que permitem e sustentam todos os projetos destrutivos de poder de um ser humano sobre outro, de uma facção política sobre outra, de uma crença religiosa sobre outra, de uma igreja sobre outra. Dom Helder, em sua “Sinfonia dos dois mundos” nos interroga: “Quem revolverá as pesadas estruturas que esmagam aos milhões os filhos de Deus, que chegam a matar mais do que as guerras mais sangrentas?!”
A paz profética exige desinstalar-se das suas certezas, dos seus poderosos dogmas, das cômodas posições, da vida da brisa mansa.

A paz do profeta é aquela que acredita que “..... quanto mais escura a noite for, mais bela a Aurora será.....!”


Fortaleza, 17 de outubro de 2009,

Geraldo Frencken, teólogo e membro de “O GRUPO”

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